Compilado de memórias meio farsas, meio esparças.
2022
Textos escritos em Português do Brasil.
As traduções foram feitas automaticamente para outras culturas ao menos aproximarem-se do universo lírico.
Saudades de um tempo que eu nunca vivi. Não sei ao certo se hei de o viver. As segundas e terceiras vozes me contam histórias em sussurros de nostalgia. Eu passei por lá e brinquei de tropeçar nas ruas de paralelepípedos. Ralei o joelho. Chorei. Fui carregado e cuidado. Contar até três, inspirar, notar o cheiro de mato que paira sobre a serra. Botei o pé para fora da barraca e tateei a areia. Contemplei os singelos desabafos das ondas que trabalharam a noite inteira para que meus ouvidos escutassem, por um momento, o teu forró. Visitei-o com a alma. Escrevi teu nome na areia. A chuva bateu na janela. Duas vezes. Está se convidando para entrar. Molhar. Encharcar. Lavar. Pureza é respeitar os ciclos das estações. Pisei em falso nas pedras da trilha. Escorreguei na lama. Me diverti. Lembro da pequena felina, a quilômetros de distância, se entregando ao sono ao ouvir o som das cordas de um violão soando poesia. De qualquer instância. Fecho as pálpebras de igual maneira, imagino toda uma grande roda cantando que somos os guerreiros desse lugar, vindos de lugar nenhum. Grito com imensa vontade aquele refrão e percebo as pernas formigando. Compartilho aconchegante abraço com papai e mamãe. Sorrio nas entranhas daqueles fortes braços que me mantiveram suspensos antes mesmo que meus pés fossem capazes de suportar o minúsculo peso de meu corpo que carregava suspiro de vida. Olho o sol que já se põe. Amanhã ele volta. É possível ver três planetas a olho nu nesse intervalo. Perdoe-me? Conte-me uma piada. Que alívio. Saudades desse tempo para o qual sou transportado. Me esforço para recordar do que especificamente sinto falta. É tão triste. É tão lindo. Talvez a beleza de toda essa nostalgia seja exatamente em não saber ao certo de onde ela vem, por mais que eu tente. Mas ela escancara as portas e janelas da minha razão para entrar a luz das inocências. Fiquem à vontade. A casa é sua.
Caminho pela linha do trem. Duas pessoas me acompanham. Não sei quem são. Ouço os pássaros gritarem pela noite. Faz anos que sequer um vagão passa por aqui. Vejo uma flor no intervalo de uma madeira e outra que compõe os trilhos. Seu cheiro incendeia a vila. Muitos andarilhos beijaram esse solo. Foram empurrados dos trens dos quais pegavam carona. Os muros que cercam essa rota carregam inscrições de indignados. O todo é uma mistura de emoções que fazem tremer as minhas pernas. Uma das pessoas segura minha pata direita. Me acalmo. Não sei seu nome, mas desde que pisei no trilho central, entendi porque havia escolhido aquele lugar. É fim de tarde. O sol fazia três dias que não aparecia. Desde então busco um descampado de terra a muito tempo pisada. Olho para os pés da outra pessoa, não a que segurastes minha mão, mas a de cabelos compridos que repousava no trilho à minha esquerda em posição fetal. Reconheço um assovio. Dolores, uma bem-te-vi amiga de infância. Solfeja um hino de gratidão. E anuncia a chuva. Me apresento as pessoas, sem dizer meu nome. Imaginei que não entenderiam. As duas acenam. Uma acaricia minha cabeça com seus dedos. A outra me convida para um abraço ao se levantar de sua meditação. Sinto-me em casa. Muitos companheiros respiraram esse lugar. Chegou a minha vez. A chuva inicia seu ritual e delicadamente se atrasa para encontrarmos um abrigo. Decidimos ser abençoados. Ficamos no mesmo lugar. Rodeio as moças em menção de carinho. Gostaria de retribuir a hospitalidade. Choram. Fazem uma prece. Choro também. É raro nossas espécies se entenderem dessa forma. Enxergando-se de igual maneira como capazes de se cederem mutuamente. Não nos conhecíamos. Mas por um instante vim a ser um com elas. E elas uma comigo. Encontramos o silêncio. Só a chuva canta.
Vejam as janelas quando a banda passa. Toalhas são sacodidas. As calçadas livremente se erguem. Bueiros se transformam. A raiz da árvore na praça central se oferece ao repouso dos anciões. A festa começou. Tudo se preparara com muita dedicação semanas antes. Os filhos do vilarejo têm o cortejo como sua escola. Portões se abrem para todo ar ser renovado. Muitos passos. O dia em que os apaixonados compartilham a timidez. Os furiosos admitem o rancor. Os melancólicos beijam a tristeza. Os vivos reconhecem-se vivos. Ah… o reencontro com a humanidade. Os postes humildemente cedem seu lugar à luz do luar. Telhas abaixam a guarda. Jardins se entregam ao movimento do solo que balança na dança de seu povo. O bosque festeja o nascimento de seus irmãos. E todo e qualquer ser nasce de novo. Nessas músicas se ouvem em um só timbre. Nessa dança pulam em um só corpo. Dessas terras nenhum filho quer se apoderar. Experimentaram a solidariedade nos louvores dos pássaros, nos abraços da colheita, nos beijos e suores de mulheres e homens. As crianças, nos intervalos de suas brincadeiras, são seus fiéis conselheiros. É tempo de todos os calos e cicatrizes serem acolhidos. Todo ar ser igualmente inspirado. Agradecer os lampejos de liberdade. Apenas ser. Sem grilhões. E chorar mais uma vez. Afinal, nem todos estão livres. Hoje nos deitamos. Amanhã é o levante.
Atravessei de barco a fronteira entre a vida real e a profecia da fome. Duvidei da profecia, como feito de costume pelos dissidentes. Até então não encontrei a tal fome capaz de me subnutrir. Talvez pela gula de cantar às utopias. E não deixar morrer o corte de cabelo adolescente. Reproduzo uma harmônica e finjo que afino o violão por ouvido absoluto. Se soubessem que apenas te olhar me fazem ouvir sermão por ser desatento, entenderiam meu apelido. Frito como um pastel. Apaixonado como um apaixonado. Vermelho de sem graça. A espera do teu encontro e te entregar um convite para um passeio no mundo livre. Assim, acreditar na profecia. E encará-la da mesma maneira. Eis o segredo para não perder o brilho nos olhos.
Era um passeio da escola. E então chegamos ao salão das máquinas e o guia nos ofereceu amostras da produção. Nos deliciamos e depois já não lembro mais nada. Ou também quando eu apalpei o ferro elétrico com minhas delicadas mãos de criança e depois já não lembro mais nada. Tenho trauma da queimadura. Na verdade, quanto a este último, tenho dúvidas se de fato aconteceu ou é fruto da minha imaginação a mais de uma década. Minha mãe não recorda, também. É um bocado triste ter os acontecimentos fragmentados em sua cabeça. Parece-me como terminar de ler um livro, se empolgar com o desfecho, e ao tentar reconectar os excertos para maior prestígio, recorrer novamente aos escritos, pois já não se lembra do que há da metade para o início. Sinto que não li com a devida atenção. A mesma impressão tenho da vida. Às vezes.
Satisfazia seu desejo de rancorar tudo que fugisse do seu padrão de controle. O atraso, a falha na condução, a não lembrança de ir à feira livre. Sua coxa doía e cada vez que dava um passo, o mundo continuava no mesmo lugar.
Lamentava o desgosto que se instalou na sua garganta e ouvir Clash não sanava a chatice. Era assim que se via. Chato. Mas que diabo de incompletude e extrema sensibilidade eram essas que lhe faziam amargurar-se gratuitamente e roubavam-lhe os dentes?
O filme já não dava mais conta de embrulhar a coxa. Era melhor que ela se recompusesse no tempo exato. Preserva a cor. Se importava com as sutilezas. Tanto que seu projeto mais cobiçado demorava a finalizar pelas minúcias do autor em encerrar esse processo rico em amarguras e novidades. Pode ser que a origem do rancor estivesse na novidade ou na espera dela. Mas se assim fosse, rancorar-se-ia constantemente, pois um apreciador dos desafios está sempre à porta de uma manchete. O rancor seria seu estado neutro. E assim não pode ser. Não pode.
Por fim, passaram poucos dias e a amargura tomou conta de outro alguém. Desconfiara que fora palermice do tempo. Alguns disseram somente que não. Outros disseram que não, porque o tempo não é um palerma. Bom, ninguém sabe ao certo. E isso basta.
Fim de ano antecipa frustrações. Criam-se todos os planos cabíveis e pautados pela medula. Aí pisa-se em um caco de vidro. De um copo de mágoas. Em pleno Natal. Sangra todo o vinho consumado. Quase perde o pé. E por pouco não teve de desistir do cronograma. Mas terá de repousar por 2 meses. E aí 1/6 do plano já foi sabotado. Por acaso.
Leve, ansioso, para quem lida bem com o peso. Deixa as linhas caminharem serenas, mas no ritmo do intervalo da abertura e fechamento de uma porta. Estranho é deslocar-se sentado. E não estou me referindo aos trens. Falo mesmo é da jornada dos devaneios. Daquela instância que se fixa o olhar em um determinado ponto do mapa e a pupila desfoca. Pensam que dormiu. Na verdade, acordou. Podem passar pela altura de sua cabeça centenas de calçados diferentes, que a única distração que poderá concluir seu intento é a sua própria de pensar que ele não está acordado. Chegou. E foi de novo. À espera do baú, como se diz em certa parte do centro-oeste. Navegar de semântica é também não querer enxergar fronteiras. Mas o maior problema de esperar o baú é a necessidade de não fixar o olhar em um ponto só, quando se escreve.